

Mexicanos elegem todos os seus juízes sob a sombra da corrupção e do crime
Os mexicanos começaram a votar, neste domingo (1º), em eleições únicas no mundo para escolher todos os juízes do país, onde violentos cartéis do narcotráfico e a influência do poder econômico e político buscam alterar a administração da justiça.
A imprensa local mostrou a abertura das primeiras seções de votação, que vão funcionar até as 18h locais (21h de Brasília).
"Hoje, não só escolhemos pessoas. Escolheremos o tipo de justiça que queremos para o nosso país", disse Guadalupe Taddei, presidente da autoridade eleitoral mexicana, INE, durante a cerimônia inaugural de uma jornada eleitoral que qualificou de um "desafio sem precedentes".
A votação inédita é o cerne de uma reforma judicial que o governo apresenta como uma panaceia para acabar com a corrupção e a impunidade arraigadas do Poder Judiciário.
Mas também gera preocupações sobre a independência da magistratura e se facilitará a influência de criminosos nos tribunais com ameaças ou subornos.
"Há razões para acreditar que as eleições podem ser mais facilmente infiltradas pelo crime organizado do que outros métodos de seleção judicial", disse à AFP Margaret Satterthwaite, relatora especial das Nações Unidas sobre a independência de juízes e advogados.
Também implicam "um risco de que o eleitorado não escolha os candidatos baseando-se no seu mérito", acrescentou.
A presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, afirma que só quem deseja manter a "corrupção e os privilégios" do Poder Judiciário denuncia uma eleição "arranjada" para favorecer o partido governista.
"Nada mais falso. Agora, o que queremos é que o povo do México decida", disse a presidente de esquerda em um vídeo divulgado no sábado.
O processo não foi ofuscado até o momento pela violência que ameaça frequentemente os políticos mexicanos.
Mas é provável que os cartéis tentem influenciar sub-repticiamente nos resultados, avalia Luis Carlos Ugalde, consultor e ex-presidente da autoridade eleitoral mexicana.
Carlota Ramos, advogada e vice-diretora do gabinete de Sheinbaum, admitiu que embora o risco de as máfias se infiltrarem nas instituições seja real, isto já acontece de forma "invisível".
"Temos cortes e tribunais locais inteiros que foram efetivamente capturados pelo crime organizado", afirmou a funcionária, que participou da seleção dos candidatos.
O novo sistema - acrescentou - permitirá maior escrutínio aos aspirantes a juízes.
- Candidatos controversos -
A ONG Defensorxs identificou cerca de 20 candidatos "arriscados", incluindo Silvia Delgado, ex-advogada do chefão do narcotráfico Joaquín "Chapo" Guzmán, cofundador do Cartel de Sinaloa, preso nos Estados Unidos.
Toda pessoa "tem direito a ser assistida por um advogado", disse à AFP Delgado, candidata a juíza no estado de Chihuahua (norte).
Fernando Escamilla, candidato a juiz estadual em Nuevo León (nordeste), foi advogado de Miguel Ángel Treviño, ex-líder do Los Zetas, um cartel extinto conhecido pela truculência.
Leopoldo Chávez, outro aspirante do estado de Durango (norte), esteve preso por quase seis anos nos Estados Unidos por tráfico de metanfetaminas.
"Nunca me vendi a vocês como o candidato perfeito", afirmou em um vídeo postado no Facebook.
- "Boa reputação" -
Neste domingo serão eleitos cerca de 880 juízes federais - incluindo ministros da Suprema Corte -, assim como mais de 1.700 magistrados regionais para 19 estados. Outra eleição para as entidades restantes será realizada em 2027.
Aos candidatos pede-se diploma em direito, experiência e "boa reputação", assim como não ter antecedentes criminais.
Sheinbaum desqualificou indícios de que a votação teria participação escassa, em parte pela complexidade do processo.
"Nem mesmo sabemos onde estas seções vão estar. Há uma desinformação muito grande", disse à AFP Teresa Vargas, advogada de 63 anos, que reconhece não saber bem como nem porque votar.
O INE estima uma participação entre 13% e 20% do eleitorado.
O trabalho de um "bom eleitor" implica escolher dezenas de juízes entre centenas de candidatos, o que requereria horas de pesquisas, explicou David Shirk, professor da Universidade de San Diego, nos Estados Unidos.
Ele também considera que o grosso da composição judicial se concentra nas forças de ordem e nas promotorias.
"É muito mais fácil subornar um promotor (...) do que acabar no tribunal e depois ter que influenciar o juiz", disse Shirk, diretor do projeto de pesquisas Justiça no México.
A reforma foi defendida pelo porta-voz e mentor de Sheinbaum, o ex-presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador, que enfrentou frequentemente os tribunais, acusando-os de servir à elite política e econômica.
López Obrador "tinha um ressentimento contra os juízes", opinou Shirk.
V.al-Than--BT